(A exposição sobre Sophia de Melo Breyner está patente até 30 de Abril)
Espólio de Sophia fica "em boas mãos" na Biblioteca Nacional
Foi “realmente muito bonito” de se ver os cinco filhos de Sophia de Mello Breyner Andresen - Miguel, Isabel, Maria, Sofia e Xavier – “cinco irmãos, tão unidos, todos” sentados a uma mesa a assinar o termo de doação, e que “tivessem feito o que fizeram”, deixando o espólio de Sophia à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Estas palavras são de Mário Soares, que na cerimónia de hoje, em Lisboa, deu o seu testemunho, como amigo da poeta e do seu marido, Francisco Sousa Tavares. O ex-presidente da República, tal como o professor Eduardo Lourenço, antes de conhecer a amiga Sophia (na campanha de Humberto Delgado), já a admirava pela sua obra. “Como falar de Sophia? Como é difícil falar de Sophia...”, começou por dizer Eduardo Lourenço, classificando a cerimónia como “um momento cultural de grande beleza, quase um acto poético, que é o que ela mais merecia ou merece”.
O auditório da Biblioteca Nacional de Portugal estava cheio de “amigos de toda a vida” da escritora e contou com a presença da ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. A cerimónia era de circunstância mas para a família, como lembrou Miguel Sousa Tavares, não era nada de circunstância. Maria Andresen emocionou-se ao ler o texto que preparou para a ocasião. Todos sabiam naquela sala que ela estava ali, também, a separar-se de parte da sua vida: dedicou os últimos anos ao inventário e ao estudo dos papéis da mãe, do espólio que deixou de ser de alguém e passou agora a ser de todos.
“Enquanto filhos não seria nunca a partilha e subsequente posse particular de parte desse espólio por cada um de nós que nos ajudaria a domesticar as saudades que dela tínhamos”, explicou Miguel Sousa Tavares. “Enquanto cidadãos, seus compatriotas na língua e na cultura que é nossa, nós sabemos que, de facto, não éramos donos de coisa alguma. Acidentes biológicos não criam direitos de propriedade”. Se Sophia, por morte, deixou de ser dona dos cadernos e de tudo o resto ligado à produção da sua obra, que sentido faria que os seus filhos, por simples direito de herança, guardassem para si o que deixou de ser de alguém e passou a ser de todos?, disse Miguel Sousa Tavares. “Estamos bem conscientes de que a circunstância de sermos filhos dela traz consigo uma responsabilidade, não um direito”, acrescentou.
Para os filhos de Sophia (1919-2004), o verdadeiro espólio da mãe são os livros que escreveu. “Num país onde todos reclamam tudo do Estado e ninguém se sente obrigado a dar alguma coisa em troca sabe bem dar alguma coisa ao Estado”, acrescentou Miguel Sousa Tavares. “O nosso privilégio foi termos recebido tudo o que recebemos da nossa mãe, o mínimo que nos competia é devolver tudo o que dela só foi nosso, por acaso ou sorte.”
O escritor e jornalista lembrou então uma história passada entre a sua mãe, a sua irmã Sofia e Azeredo Perdigão, na altura o presidente da Fundação Gulbenkian. Alguém tinha oferecido dois patos, “pequeninos, amarelos e amorosos” à pequena Sofia. Os patos estiveram 15 dias a “estagiar” no quarto da filha de Sophia e depois “foram residir” para o jardim da casa onde toda a família vivia na Graça. Meses depois, “os patos pequeninos, amarelos e amorosos tinham-se transformado em aves, imensas, de um branco sujo, ameaçando virar gansos selvagens, passando a constituir um problema familiar e logístico”, contou Miguel.
Como os animais não podiam desaparecer do jardim sem que a pequena Sofia ficasse traumatizada, a poeta Sophia “congeminou a fantástica ideia” de se irem deixar os patos ao jardim da Fundação Gulbenkian, onde seriam imensamente mais felizes. Sophia telefonou então a Azeredo Perdigão a pedir licença para abandonar os patos no jardim. “E para seu espanto, o doutor Perdigão respondeu: - Com certeza, deixe-me só marcar aqui um dia na agenda”, disse Miguel e a sala inteira gargalhou. “Intrigados com aquela cerimónia, no dia e hora aprazados, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, eu e os patos comparecemos na Gulbenkian onde o doutor Perdigão mais o administrador da Fundação já nos esperava.Soltos os patos no jardim, secadas as lágrimas da minha irmã, o doutor Perdigão convidou-nos a todos para um solene chá onde se fez a entrega de uma medalha da Gulbenkian e outras lembranças”, continuou Miguel. E quando Sophia, espantada, disse que não estava à espera de tantas atenções, o “doutor Azeredo Perdigão, empertigou-se e disse: - Senhora Dona Sophia, sabe que eu estou aqui há vários anos e todos os dias tenho que responder a pedidos feitos à Fundação, mas até hoje nunca ninguém se tinha lembrado de nos oferecer o que quer que fosse. Por isso esta oferta de patos para nós tem um valor simbólico”, terminou Miguel dizendo que em nome dos irmãos foi com “muito gosto e com muito orgulho” que entregaram o espólio de Sophia de Mello Breyner à Biblioteca Nacional com a certeza de que ficará em boas mãos.
A concluir a sessão, falaram ainda outros amigos de Sophia : Artur Santos Silva, Guilherme d’Oliveira Martins e Gonçalo Ribeiro Telles. Antes da inauguração da exposição, os actores Beatriz Batarda e Luís Miguel Cintra leram alguns dos seus poemas. Houve alguma confusão porque o que estava pensado para se realizar no auditório, acabou por ser feito no local da exposição que a seguir foi inaugurada, onde não havia condições acústicas nem as pessoas estavam sentadas. Os actores preparam 40 minutos de leitura que não foi possível cumprirem até ao fim. “Peço desculpa, li o melhor possível em memória de Sophia”, disse Luís Miguel Cintra visivelmente aborrecido com toda a situação. A exposição sobre a obra e a vida de Sophia é daquelas onde uma pessoa se pode perder durante horas. Pode ser vista até ao dia 30 de Abril.
O auditório da Biblioteca Nacional de Portugal estava cheio de “amigos de toda a vida” da escritora e contou com a presença da ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. A cerimónia era de circunstância mas para a família, como lembrou Miguel Sousa Tavares, não era nada de circunstância. Maria Andresen emocionou-se ao ler o texto que preparou para a ocasião. Todos sabiam naquela sala que ela estava ali, também, a separar-se de parte da sua vida: dedicou os últimos anos ao inventário e ao estudo dos papéis da mãe, do espólio que deixou de ser de alguém e passou agora a ser de todos.
“Enquanto filhos não seria nunca a partilha e subsequente posse particular de parte desse espólio por cada um de nós que nos ajudaria a domesticar as saudades que dela tínhamos”, explicou Miguel Sousa Tavares. “Enquanto cidadãos, seus compatriotas na língua e na cultura que é nossa, nós sabemos que, de facto, não éramos donos de coisa alguma. Acidentes biológicos não criam direitos de propriedade”. Se Sophia, por morte, deixou de ser dona dos cadernos e de tudo o resto ligado à produção da sua obra, que sentido faria que os seus filhos, por simples direito de herança, guardassem para si o que deixou de ser de alguém e passou a ser de todos?, disse Miguel Sousa Tavares. “Estamos bem conscientes de que a circunstância de sermos filhos dela traz consigo uma responsabilidade, não um direito”, acrescentou.
Para os filhos de Sophia (1919-2004), o verdadeiro espólio da mãe são os livros que escreveu. “Num país onde todos reclamam tudo do Estado e ninguém se sente obrigado a dar alguma coisa em troca sabe bem dar alguma coisa ao Estado”, acrescentou Miguel Sousa Tavares. “O nosso privilégio foi termos recebido tudo o que recebemos da nossa mãe, o mínimo que nos competia é devolver tudo o que dela só foi nosso, por acaso ou sorte.”
O escritor e jornalista lembrou então uma história passada entre a sua mãe, a sua irmã Sofia e Azeredo Perdigão, na altura o presidente da Fundação Gulbenkian. Alguém tinha oferecido dois patos, “pequeninos, amarelos e amorosos” à pequena Sofia. Os patos estiveram 15 dias a “estagiar” no quarto da filha de Sophia e depois “foram residir” para o jardim da casa onde toda a família vivia na Graça. Meses depois, “os patos pequeninos, amarelos e amorosos tinham-se transformado em aves, imensas, de um branco sujo, ameaçando virar gansos selvagens, passando a constituir um problema familiar e logístico”, contou Miguel.
Como os animais não podiam desaparecer do jardim sem que a pequena Sofia ficasse traumatizada, a poeta Sophia “congeminou a fantástica ideia” de se irem deixar os patos ao jardim da Fundação Gulbenkian, onde seriam imensamente mais felizes. Sophia telefonou então a Azeredo Perdigão a pedir licença para abandonar os patos no jardim. “E para seu espanto, o doutor Perdigão respondeu: - Com certeza, deixe-me só marcar aqui um dia na agenda”, disse Miguel e a sala inteira gargalhou. “Intrigados com aquela cerimónia, no dia e hora aprazados, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, eu e os patos comparecemos na Gulbenkian onde o doutor Perdigão mais o administrador da Fundação já nos esperava.Soltos os patos no jardim, secadas as lágrimas da minha irmã, o doutor Perdigão convidou-nos a todos para um solene chá onde se fez a entrega de uma medalha da Gulbenkian e outras lembranças”, continuou Miguel. E quando Sophia, espantada, disse que não estava à espera de tantas atenções, o “doutor Azeredo Perdigão, empertigou-se e disse: - Senhora Dona Sophia, sabe que eu estou aqui há vários anos e todos os dias tenho que responder a pedidos feitos à Fundação, mas até hoje nunca ninguém se tinha lembrado de nos oferecer o que quer que fosse. Por isso esta oferta de patos para nós tem um valor simbólico”, terminou Miguel dizendo que em nome dos irmãos foi com “muito gosto e com muito orgulho” que entregaram o espólio de Sophia de Mello Breyner à Biblioteca Nacional com a certeza de que ficará em boas mãos.
A concluir a sessão, falaram ainda outros amigos de Sophia : Artur Santos Silva, Guilherme d’Oliveira Martins e Gonçalo Ribeiro Telles. Antes da inauguração da exposição, os actores Beatriz Batarda e Luís Miguel Cintra leram alguns dos seus poemas. Houve alguma confusão porque o que estava pensado para se realizar no auditório, acabou por ser feito no local da exposição que a seguir foi inaugurada, onde não havia condições acústicas nem as pessoas estavam sentadas. Os actores preparam 40 minutos de leitura que não foi possível cumprirem até ao fim. “Peço desculpa, li o melhor possível em memória de Sophia”, disse Luís Miguel Cintra visivelmente aborrecido com toda a situação. A exposição sobre a obra e a vida de Sophia é daquelas onde uma pessoa se pode perder durante horas. Pode ser vista até ao dia 30 de Abril.
O Público (26.01.2011)
Por Isabel Coutinho
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