6 de fevereiro de 2011

A LITERATURA INFANTIL NÃO PRECISA DE FICHAS


 Por que motivo há livros para crianças com umas estranhas fichas no final, logo após o texto a ser lido? Será que os livros dirigidos aos adultos incluem fichas desta natureza? É claro que não! Tudo resulta de um grande equivoco entre a leitura de um texto literário para crianças e a necessidade que pais e professores sentem em avaliar a compreensão do texto em causa e/ou realizar prolongamentos do mesmo. Estamos perante um problema grave que exige reflexão da nossa parte.
 
 É hoje comummente aceite que o livro para crianças deve ser um objecto de arte e, por isso mesmo, possuir uma dimensão estética; o texto literário, a ilustração e o trabalho do designer gráfico formam um todo que vai ser fruído pelo jovem leitor, tantas vezes quantas o livro é aberto para puro gozo de quem saboreia uma iguaria. Este facto não anula, antes reforça, a apreensão de saberes que qualquer leitura oferece, o que representa uma mais-valia para um ser em construção. Toda a literatura, seja para adultos, seja para crianças, traz consigo uma vocação pedagógica, porque fala do mundo e contribui para que o compreendamos; nunca somos os mesmos após a leitura de uma obra. Com as crianças, tudo isto é facilmente visível, porque a polissemia do texto e da imagem vai alimentar o seu conhecimento linguístico, a sua capacidade de verbalização das emoções, a sua ligação afectiva aos outros. A cumplicidade que um livro gera entre o adulto e a criança leitora (aqui num sentido muito amplo, que inclui as que ainda não foram alfabetizadas) é fundamental para o desenvolvimento desta.

 Há pais que, na ânsia de levar os seus filhos a níveis escolares de excelência, o que é natural, transformam os poucos momentos de que dispõem para brincar com as crianças em meros prolongamentos da escola, sacrificando esse espaço de ternura e de amor em nome de hipotéticos avanços cognitivos.  

 Vemos, com frequência, que uma simples história vai ser pretexto para largos minutos didácticos e pedagógicos, transformando-se o pai (ou a mãe) num segundo professor, o que traz consequências negativas que não podem ser subestimadas. Interessará realmente verificar se a criança compreendeu a história? Para ela, o mais importante foram aqueles minutos mágicos em que o pai e/ou a mãe lhe leram a história, salpicada pelo olhar e voz doces que jamais esquecerá. E se não tiver compreendido alguma coisa, ela pergunta, porque uma criança não é idiota.

 Há professores que vivem numa inteira dependência das fichas, reduzindo parte significativa do trabalho escolar à sua utilização em sala de aula. Se encontram um livro de narrativas com fichas de explicação dos textos, de aplicação de uma moral (?) ou de exercícios de vocabulário, ficam felizes, porque podem ocupar as crianças com essas tarefas. Trata-se de um terrível engano, pois a leitura recreativa dispensa fichas de interpretação ou de aplicação de conteúdos.

 Certos editores, conhecendo estes pecados de pais e docentes, apostam nestas fichas na medida em que sabem que os livros se vendem mais facilmente. Está na altura de todos dizermos Não!. As crianças merecem o nosso respeito e não podem ser enganadas com a conivência dos adultos responsáveis pela sua formação.

 Os pais recorrerão aos livros para alimentarem momentos de amor e de humor, ajudando os filhos a descobrir o seu mundo interior e a compreender o meio envolvente – este é o segredo dos bons livros para crianças, livros que ajudam a crescer, de forma harmoniosa. Os professores, em nome da eficácia, distinguirão, de forma muito clara, o que e a leitura de puro prazer e recreio da leitura de trabalho, que exige esforço e alargamento de competências; neste caso, quando quiserem recorrer a questionários ou a outras ferramentas, farão as devidas opções que, somos levados a crer, não se coadunam com o estereótipo que tolhe a imaginação e a inteligência.

 Por tudo o que foi referido, acreditamos que as escolhas de livros presentes nas listas do P.N.L., se pautarão pela observação atenta dos livros a serem escolhidos para as crianças, pondo de lado aqueles que trazem consigo um presente tóxico – a fichazinha.
Rui Marques Veloso
Leonor Riscado

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