Livro fala da História recente de Portugal, "de acontecimentos dos últimos 50/60 anos, com destaque para a vaga de emigração para França, uma aventura que milhões de Portugueses empreenderam em busca de uma vida melhor". Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as mais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura.
Na primeira parte, que se estende por cerca de 200 páginas, é-nos apresentado um enredo bem urdido, uma narrativa clássica que nos suga lá para dentro, até estarmos às escuras, tropeçando pelos campos nocturnos, ao lado de Ilídio e de Cosme, a caminho de uma França desconhecida, mítica, utópica; ou ao lado de Adelaide, exausta, em cima de um camião cheio de homens, cobertos por uma lona com cheiro "a borracha e a terra seca", a caminho dessa mesma França que só tinha a existência de sonho, sem imagens. Adelaide e Ilídio, um amor desencontrado, e nós a acompanhá-los, passo a passo, sem nada podermos fazer para os aproximar de novo. O Livro podia ser só esta primeira parte, assim, começando na vila e suas pequenas estórias, levando-nos com sacrifício para França, apresentando-nos, depois, as rotinas de Champigny e Saint-Denis, no momento em que Paris ganha estatuto de realidade espantosa para estas personagens.
Sim, Livro é uma obra ambiciosa. "Não existia o romance que tratasse o tema da emigração portuguesa para França como eu achava que devia ser tratado", diz o escritor. "E, mal ou bem, era importante fazê-lo." O que torna este romance, centrado em acontecimentos do século passado, absolutamente contemporâneo, é sobretudo o lugar de onde se olha. José Luís Peixoto escolheu para protagonista (a tal personagem que, na segunda parte, se revela como narrador) alguém com quem se pudesse identificar, desde logo por uma questão geracional - ambos nasceram logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 - mas também, por exemplo, pelo interesse partilhado por literatura.
É com orgulho assumido que José Luís Peixoto recorda os seus avós que não sabiam ler nem escrever, ou os seus pais, que fizeram, como milhares de Portugueses, esse percurso França-Portugal e "nunca imaginariam que o seu filho iria, um dia, ganhar a vida escrevendo livros."
"O protagonista do meu livro vai tentar saber de onde é que vem. Como ele, faço parte de uma geração que nasceu quase com uma orfandade de memória, crescemos a ouvir dizer que não vivemos a revolução, não vivemos a guerra colonial, não vivemos essa vaga de emigração..." José Luís Peixoto impressiona-se com as mudanças profundas que Portugal registou nas últimas décadas e talvez seja esse, afinal, o tema maior deste Livro - as investigações de António Barreto sobre essas mudanças foram, diz, uma fonte muito útil. Impressiona-o, sobremaneira, a passagem de um quadro de ruralidade para urbanidade, mesmo cosmopolitismo - passagem essa que ecoa na sua própria vida e que acontece, também, ao longo das 264 páginas deste romance. "Dizemos tantas vezes mal do nosso país, que, às vezes, esquecemos o sprint de Portugal nos últimos 40/50 anos - há uma diferença abissal nas condições de vida dos Portugueses."
A vertente política é uma das novidades que o escritor reconhece ter acrescentado à sua obra anterior com este novo romance. Há um objectivo maior por detrás deste grande Livro? Há, mesmo que não tenha sido esse o farol que, desde o início, guiou os passos do escritor. José Luís Peixoto não hesita em falar de "heroicizar os portugueses, o povo português". Não hesita mesmo em dizê-lo com todas as letras: "É um romance patriota."
in: www.joseluispeixoto.net (Adaptado)
Disponível no fundo documental da BE CAIC
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